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sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A COMPLEXIDADE DA PERÍCIA NAS AÇÕES POR ERRO MÉDICO

 

Cuidou o Código de Processo Civil de disciplinar, no art. 420 e segs. o arcabouço da prova pericial judiciária.

Para tanto de forma abrangente especificou no art. 429 do CPC, que o perito e os assistentes técnicos devem utilizar-se de todos os meios necessários à realização efetiva da perícia, ouvindo testemunhas, obtendo informações e solicitando documentos que estejam em poder da parte ou em repartições públicas.

A perícia técnica, para fins de análise da adequação dos atos profissionais praticados pelo médico em ação indenizatória contra si manejada, é, com efeito, ato processual complexo, o qual, pela natureza do objeto a ser provado – fato controvertido que enseja dilargada  análise e profundo estudo.

Assim, o perito deve cotejar as anotações constantes das fichas e prontuário do paciente, verificando se os atos e procedimentos foram realizados tempestivamente, bem como se seguiram os parâmetros indicados pela ciência e literatura médicas.

O paciente, também, há que ser examinado, delimitando-se o alcance das lesões e seqüelas, grau de incapacitação laborativa e funcional, além, é óbvio, da investigação acurada sobre o nexo causal entre o atuar médico e os danos relatados como causa mediata do pedido indenizatório.

A discussão que circunda a prova deve ser tal que oportunize desde a apresentação de quesitos, indicação de assistente técnico, apresentação de laudo, oferecimento de parecer pelo assistente, formulação de quesitos suplementares, convocação do perito para esclarecimentos em audiência e, à luz do art. 437 do CPC, realização de nova perícia quando a matéria não se encontrar devidamente esclarecida.

Faz-se oportuno salientar que o art. 431-B do Código de Processo Civil, acrescentado pela Lei nº 10.358/01, previu para as perícias complexas, a nomeação de mais de um perito e a indicação de mais de um assistente técnico, cobrindo, dessa forma, áreas distintas do conhecimento científico.

A cada dia a ciência se vale de maior quantidade de informações, tornando-se crescente a complexidade, que faz repartir em especialidades as esferas de cada campo do saber e dos respectivos limites do atuar profissional, o que ocorre principalmente com a medicina, em que a pesquisa direcionada e as descobertas se atropelam em ritmo alucinante, exigindo do médico redobrado fôlego para manter-se atualizado e competitivo no mercado de trabalho.

A complexidade da perícia em ações por erro médico não diz respeito tão-somente, à questão do conhecimento científico, a balizar o veredicto técnico ao derredor da adequação da prática do ato médico.

É o aparelhamento da perícia, através da seqüência das fases legalmente previstas, com a oportunidade processual das partes envolvidas de se oporem tanto à pessoa do perito, por impedimento ou suspeição, ex vi do disposto no art. 138 da Lei Processual, quanto ao resultado substanciado no laudo – aqui a discussão técnica há que ser preponderante, que se reveste a prova de complexidade.      

A cadência do rito processual destinado à produção da perícia técnica revela a complexidade da prova, na medida em que propicia a entrega da prestação jurisdicional às partes em consonância com os princípios do contraditório e da ampla defesa, garantias estampadas no art. 5º, LV, da Constituição Federal.

A questão merece aprofundamento.

Como exposto com propriedade por Cândido Dinamarco, o princípio do contraditório possibilita às partes a oportunidade de participar de todo o procedimento pedindo, alegando e produzindo provas, de sorte a propiciar ao juiz “um institucionalizado ignorante dos fatos que interessarão ao julgamento”, condições para proferir uma correta decisão. * Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de Direito Processual Civil, Malheiros Editores, São Paulo, 4ª Ed., 2002, vol. I, p. 216.

O alcance do princípio citado há que ser efetivo, propiciando-se às partes a produção das provas ao seu alcance, conforme dicção do art. 332 do CPC, na medida em que são considerados oportunos todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos para a demonstração, em juízo dos fatos que constituem o direito alegado.

Corolário do devido processo legal, o direito à prova significa acesso irrestrito às fontes e aos meios probatórios legal e moralmente permitidos.

No campo da responsabilidade civil médica a luz se acende, na medida em que ganha corpo a “teoria das cargas probatórias dinâmicas” pela qual o juiz mitigando as regras formalísticas quanto à prova, determina a sua produção por aquela que estiver em melhores condições de esclarecer o fato controvertido, valendo salientar que a referida teoria persegue a demonstração da verdade dos fatos controvertidos, obviando a aplicação do princípio da instrumentalidade das formas, segundo o qual o processo seria mero instrumento de ação do direito material.

Miguel Kfouri Neto, um dos difusores dessa teoria no Brasil, sustenta que:

“A carga probatória deve ser imposta, em cada caso concreto, àquela das partes que possa aportá-las como menos inconveniente, ou seja menos demora, humilhações ou despesas.

Muitas vezes o paciente se vê em situação difícil para provar a culpa do médico. No sistema tradicional das obrigações de meios, o demandado não necessita provar o caso fortuito – basta-lhe demonstrar que não houve culpa de sua parte. E o médico prova a ausência de culpa descrevendo a correção com que agiu - desde o correto diagnóstico, ao emprego de técnicas e conhecimentos normalmente aceitos, acompanhamento zeloso do paciente, tudo de acordo com a leges artis.

Considera-se, então, que são fatos positivos, de fácil demonstração para o médico. Torna-se difícil para o paciente prová-los. Frente a esta realidade, o juiz pode determinar que o paciente prove alguns fatos e que o médico, a seu turno, prove aqueles que lhe sejam mais fáceis de comprovar.

Em regra, o paciente provará que seguiu rigorosamente todas as prescrições e o médico, que o tratamento foi correto.

Por isso, diz-se que a carga probatória é compartilhada não bastando uma atitude passiva do profissional, a pretexto de que o encargo probatório não lhe pertence.

Com esse compartilhamento, atingir-se-ia situação de verdadeira paridade das partes no embate processual, de igualdade material, não meramente retórica” * Miguel Kfouri Neto, Culpa Médica e Ônus da Prova, p. 140.

Destarte, na busca da efetividade do processo, não pode ser subtraído ao médico o direito de demonstrar, através da prova pericial, robusta e tecnicamente bem aparelhada, o ajustamento da sua conduta profissional.

Se o juiz é livre para valorar a prova nas ações por responsabilidade médica a perícia técnica constitui elemento insuperável na formação da sua convicção, visto que não dispondo de conhecimentos que se lhe permita inferir acerca da lisura dos procedimentos abraçados pelo médico, deverá na fundamentação da sentença, considerá-los obrigatoriamente.

O comando textualizado no art. 436 do CPC, segundo o qual o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos, porta carga de manifesta relatividade, ainda mais quando, no inciso II do art. 458 desta mesma norma, consta como requisito essencial da sentença a fundamentação, na qual são analisadas as questões de fato e de direito, decorrendo disto que o peso da prova pericial em ações que tais, vincula sim, o magistrado em razão de que estará o mesmo decidindo acerca de fatos devidamente analisados pela perícia técnica para tanto constituída.

*Texto Elaborado por Drª Maria de Fátima Almeida Cardozo, Advogada, Pós-graduada em Processo pela Fundação Faculdade de Direito-UFBA.

Um comentário:

Obrigada pela atenção e carinho...
Grata!
Daniela Cunha.