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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

REFORMA DO JUDICIÁRIO E A AUTONOMIA DAS DEFENSORIAS PÚBLICAS ESTADUAIS

Reforma do Judiciário e a Autonomia – Das Defensorias Públicas Estaduais  
*Dirley da Cunha Júnior  

A Emenda Constitucional nº 45/2004, recentemente publicada no DOU em 31.12.2004, implementou consideráveis modificações na estrutura e no funcionamento do Poder Judiciário Brasileiro e, mais propriamente, na Justiça Brasileira, trazendo, inegavelmente, importantes avanços.
Merece destaque, entre estes, o reforço que a citada EC propiciou na consolidação dos direitos humanos e, mais especificamente, na efetivação judicial desses direitos, circunstância que prestigia a dignidade da pessoa humana – elevada pela Constituição Federal de 1988 a pilar ético-políticojurídico do Estado Brasileiro – e amplia o grau de democracia do nosso Estado.
Tal se deu devido não só à federalização dos crimes contra os direitos humanos (inciso V-A e § 5º inseridos ao art. 109 da CF/88) e à submissão do Estado Brasileiro à jurisdição do Tribunal Penal Internacional, cuja criação tenha manifestado adesão (§ 4º inserido ao art. 5º da CF/88), mas, notadamente, em razão da atribuição, em nível constitucional, de autonomia funcional, administrativa e financeira às Defensorias Públicas Estaduais (as Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal ficaram de fora da EC 45/4), em face do que consta no novel § 2º introduzido ao art. 134 da CF/88.
Ora, como de conhecimento convencional, é por meio das Defensorias Públicas que o Estado cumpre o seu dever constitucional de garantir o acesso à Justiça das pessoas desprovidas de recursos financeiros para fazer frente às despesas com advogado e custas do processo. Nesse contexto, as Defensorias Públicas revelam-se como um dos mais importantes e fundamentais instrumentos de afirmação judicial dos direitos humanos e, consectariamente, de fortalecimento do Estado Democrático de Direito, vez porque atua como veículo das reivindicações dos segmentos mais carentes da sociedade junto ao Poder Judiciário, na efetivação e concretização dos direitos fundamentais.
Avanço inigualável e inédito no sistema constitucional brasileiro, e sem paralelo no direito comparado, a Democracia Brasileira atinge o que talvez seja o seu ápice de amadurecimento e expansão, com a concessão às Defensorias Públicas Estaduais, órgãos imprescindíveis para a afirmação da dignidade humana e, em conseqüência, para a cidadania, de independência funcional, administrativa e financeira, permitindo a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites fixados na lei de diretrizes orçamentárias. Com isso, passam as Defensorias Públicas Estaduais a titularizar a prerrogativa constitucional, irrecusável e indisponível, de elaborar as propostas de orçamento do órgão para fazer frente às despesas de pessoal, estrutura e funcionamento, de modo a melhorar e eficientemente garantir o acesso à Justiça dos economicamente deficientes, subordinando-se, tãosomente, aos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, em tudo semelhante ao que já ocorre com os poderes Legislativo e Judiciário e com o Ministério Público. E para que tal autonomia não permaneça no vazio e no plano abstrato das aspirações, a EC nº 45/04 deu nova redação ao art. 168, para determinar que os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos da Defensoria Pública, lhes sejam entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, em situação idêntica da que já se verifica com os órgãos dos poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público.
O propósito axiomático da EC 45/04, ao garantir a autonomia funcional, administrativa e financeira às Defensorias Públicas Estaduais, foi prover esses órgãos de defesa da cidadania de melhorias com pessoal e estrutura, para o seu bom funcionamento, conferindo-lhes a liberdade para, quando da elaboração de suas propostas orçamentárias, contemplarem os subsídios dos defensores públicos e a remuneração de seus servidores, condignos e compatíveis com a nobreza e elevada relevância, agora mais do que merecidamente reconhecida, das funções que lhes foram constitucionalmente concedidas.
E é a partir dessa perspectiva que se deve reconhecer às Defensorias Públicas Estaduais a iniciativa privativa de propor às Assembléias Legislativas a fixação dos subsídios e da remuneração de seu pessoal, dentro dos limites da previsão orçamentária e observados, obviamente, os respectivos subtetos (subsídio dos desembargadores do Tribunal de Justiça, para os defensores públicos; e o subsídio do governador do Estado, para os servidores do órgão).
Essa interpretação se impõe, não só porque é a única que confere maior efetividade ao ¥ 2º inserido ao art. 134 da CF/88 (que assegura a autonomia financeira), como também porque é a que melhor compatibiliza e conforma o citado parágrafo ao texto constitucional, em especial com os direitos fundamentais. E essa conclusão é inevitável, haja vista que, em tema de interpretação constitucional, submetida a uma Nova Hermenêutica, sobrelevam os princípios concretistas da máxima efetividade e da interpretação conforme a Constituição (que, particularmente, prefiro designar, na hipótese presente, de interpretação conforme os direitos fundamentais) que devem nortear e conduzir o intérprete da Constituição na sua nobre e difícil missão de revelar e construir/reconstruir o significado e alcance dos preceitos constitucionais.
Com efeito, não faria sentido a Constituição, pela EC 45/04, reconhecer e assegurar a autonomia financeira às Defensorias Públicas Estaduais para elaborarem os seus próprios orçamentos (o mais), e não lhes creditar a simples iniciativa para propor ao Poder Legislativo respectivo, dentro de sua dotação orçamentária (art. 169 da CF/88), a fixação do subsídio de seus membros e da remuneração de seus servidores (o menos). Nessa linha de ponderação, e a partir do princípio hermenêuticoconcretizador da máxima efetividade – segundo o qual, na interpretação constitucional, “a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê” (J.J. Gomes Canotilho), no sentido de que o intérprete da Constituição “interprete as suas normas em ordem a otimizar-lhes a eficácia” (Inocêncio Mártires Coelho) e que “a interpretação da Constituição é concretização” (Konrad Hesse: “Verfassungsinterpretation ist Konkretisierung”) –, deve-se conceber a garantia institucional da autonomia financeira das Defensorias Públicas Estaduais como ampla e abrangente, a compreender, outrossim, a iniciativa para propor a fixação do subsídio e da remuneração de seu pessoal.
Mas não é só. Isso porque, essa garantia também decorre da exigência imposta pela dimensão objetiva dos direitos fundamentais, destacada pela necessidade de proteção judicial dos direitos da pessoa humana, circunstância que a torna irrecusável e indisponível por parte do próprio órgão dela destinatário. Nesse particular, cumpre esclarecer que a necessidade de tutela judicial dos direitos fundamentais reclama a própria criação e o fortalecimento das organizações governamentais de proteção dos direitos humanos.
Dessa forma, tudo isso leva a crer que a tríplice autonomia funcional-administrativa-financeira assegurada pela EC 45/04 às Defensorias Públicas Estaduais, não é uma garantia dos membros e servidores desses órgãos, mas, sim, uma garantia da cidadania e das liberdades públicas, que determinam o aprimoramento estrutural e pessoal dessas instituições tão fundamentais e indispensáveis ao Estado Democrático de Direito, à dignidade da pessoa humana e à concretização dos direitos humanos.


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Daniela Cunha.