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quinta-feira, 10 de março de 2011

A transação penal na prática dos juizados especiais criminais


* Matheus Augusto de Almeida Cardozo
Advogado, Pós-Graduado em Ciências Criminais pelo JusPodivm


A transação penal é um instituto utilizado nos crimes de ação penal pública incondicionada ou condicionada à representação, no âmbito dos Juizados Especiais Criminais. Sua propositura é exclusiva do Ministério Público (titular da ação penal nesses casos) e obsta o oferecimento da denúncia, desde que a outra parte aceite os termos da transação proposta, a qual deve ser, em regra, homologada pelo juiz. Para o Supremo Tribunal Federal, a sentença que homologa a transação, caso descumprida, perde a eficácia e gera a colocação do "processo" em seu estado anterior, criando para o órgão ministerial o poder-dever de propor a ação penal. Neste caso, torna-se insubsistente a transação não honrada:
"A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o descumprimento da transação penal a que alude o art. 76 da Lei nº 9.099/95 gera a submissão do processo ao seu estado anterior, oportunizando-se ao Ministério Público a propositura da ação penal e ao Juízo o recebimento da peça acusatória". (HC nº 84976/SP. Rel. Min. Carlos Britto).
O Superior Tribunal de Justiça, em entendimento diametralmente oposto ao do Pretório Excelso, considera que a sentença homologatória da transação penal faz coisa julgada formal e material, pois que traz no mérito uma pena a ser imposta. Ao impor uma sanção penal, não resta outra opção senão defini-la como condenatória. O Ministro José Arnaldo Fonseca, em exemplar voto proferido no REsp nº 172.951/SP, sintetizou com clareza solar o posicionamento dominante no STJ:
"Possuindo natureza condenatória – visto que impõe uma sanção, ainda que não-privativa de liberdade – a decisão homologatória da transação faz coisa julgada material, não sendo, pois, passível de ser desconstituída em face do descumprimento do acordo, porquanto a sua eficácia não se condiciona ao cumprimento da multa ou da pena restritiva de direitos".
Os juízes que atuam nos Juizados Especiais Criminais, na tentativa de pôr fim às controvérsias suscitadas nos Tribunais Superiores, somente homologam a transação penal quando a parte cumpre, em sua totalidade, o acordado; caso contrário, permitem o oferecimento da denúncia. Essa alquimia praticada nos Juizados Criminais, no entanto, está longe de ser a solução para a problemática imposta. Ao revés, criou uma série de violações a preceitos fundamentais do sistema penal acusatório. Vejamos.

Em primeiro lugar, do modo como está posto no art. 76, § 4º, da Lei 9.099/95, o Juiz deverá homologar a proposta no exato momento de sua aceitação. Uma vez preenchidos os requisitos que autorizam a transação, essa passa a ser um direito subjetivo do "réu" e não uma mera faculdade do magistrado. E mais: esse direito deve ser exercido no mesmo momento em que as partes transacionam, culminando na homologação judicial. A pretensão punitiva executória do Estado somente pode ter início quando homologada a sentença pelo juiz (aquele que é investido de jurisdição). Caso contrário, estar-se-ia admitindo uma teratologia jurídica: a aplicação da pena pelo Ministério Público, órgão que não possui o poder-dever constitucional de impor e aplicar a sanção. A jurisdicionalidade, como é sabido, é um dos atributos essenciais não só para a existência de um processo penal garantista, bem como para o respeito ao princípio processual do juiz natural.

Outra crítica que se faz à postura adotada pelo JECrim reside no fato de que o Estado necessita de um título judicial para que, posteriormente, possua o direito de executá-lo. Essa ordem jamais poderá ser invertida, sendo inadmissível a execução de uma pena que ainda nem mesmo foi imposta pelo Estado-Juiz (pois a sentença sequer foi homologada). Vê-se, desta forma, que os magistrados não hesitam em presentear o MP com jurisdição, não dão a mínima para o título executivo e nem para a coisa julgada, criando um quadro caótico na já atribulada Justiça Criminal Consensual.

2 comentários:

  1. E a prescrição Dra. Como fica se não há marco interruptivo?

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  2. Em resposta a dúvida suscitada, temos:

    A decisão que homologa a transação, para o Supremo Tribunal Federal, inclusive, com repercussão geral reconhecida no julgamento do RE 602.072/RS, não tem cunho condenatório. Assim sendo, podemos cogitar duas consequências práticas do posicionamento da Suprema Corte:

    a) é possível o MP propor a denúncia em caso de descumprimento daquilo que foi homologado;

    b) não tendo natureza condenatória não há interrupção da prescrição (lembre-se que o marco interruptivo da prescrição é a sentença CONDENATÓRIA, as demais, por ausência de previsão legal, não possuem o condão de interromper o lapso prescricional).

    *Por Dr. Matheus Cardozo

    Caro leitor,
    Espero ter contribuido para dirimir sua dúvida!
    Grata ao Dr. Matheus Cardozo pela atenção.
    Abraço.

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Obrigada pela atenção e carinho...
Grata!
Daniela Cunha.